Trilogia Cética – Jorge Teles
Trechos da Trilogia Cética, um texto que merece ser lido =), disponível no site http://www.jorgeteles.com.br, mais precisamente no link:
Trecho da Trilogia Cética 01. – Missa Sacratíssima:
(…)
AGNUS DEI
AGNUS DEI QUI TOLLIS PECCATA MUNDI.
E agora,
o que resta de nós?,
Homem-deus!
E agora,
o que sobra pra nós?,
deus-Homem!
Você não é o cordeiro de deus!
Que não há nesse reino
deus que seja pastor.
Que onde há cordeiro e pastor
há lobos!
Você não tira os pecados do mundo!
Que não há nesse mundo
pecados a ser tirados.
Pecados a ser tirados
não são pecados!
Quem tirará os pecados
dos tiranos,
dos grandes ladrões
e dos opressores?
Quem tirará os pecados
dos que entregam,
dos que vendem países?
Pecados a ser tirados
não são pecados!
Você não tenha piedade de mim!
Que ter piedade de mim
é me atirar num inferno.
Cordeiro de Deus?,
que tira os pecados do mundo?,
tenha piedade de mim?
Não!
(…)
Trecho da Trilogia Cética 02. – Via Profana
(…)
III
FECHADO PELA PEDRA
Não queria ter chegado tão de repente.
Tenho medo
e frio
e sinto que vou chorar.
Por que foi que eu me tentei com essa única
e tremenda
tentação?
Quieto, coração!
Tão difícil tudo,
tão assustador,
e estou apenas querendo me livrar,
para ser menos criança,
de tantas fantasias de criança.
Tenho medo
e frio
e acho que vou chorar.
Queria dormir sem sonhos,
tão cansado estou.
E qual é o tempo em que devo permanecer
enterrado nesse silêncio agudo?
Três dias
ou trinta e três anos?
Enrolado em meus próprios braços nus,
nessa pobreza sem sudário,
terei eu a revelação
de que chegou a hora do convívio?
Ou serei vomitado
dessa minha dormência entristecida?,
como um cadáver ressurrecto
obrigado a sair de um túmulo
e estender diante de si
o seu próprio juízo!
Pois eis que só há ressurreição
dentro da única vida!
Sei que serão os mesmos,
os homens,
quando eu voltar a encontrá-los.
E sei
mais
que eles têm
o mesmo direito
que me dei para com eles
de me cobrar posturas e correção.
E sei
ainda
que há entre eles apóstolos
mestres de si mesmos
e passantes não curiosos
mas preocupados tão só
com suas desesperançadas tarefas cotidianas
e juizes
vítimas de suas tentativas de honestidade
e mulheres pessoas
que sabem como olhar
nos olhos de seus filhos
e soldados
atirados aos quartéis
pela necessidade de garantir o soldo diário da sobrevivência.
E sei
por fim
que todos os mortais repetem
com variações de dor e desespero
essas sagradas vias de aprendizado,
crucificando-se
ou sendo crucificados
em todos os tipos diferentes de cruzes.
E nem todos ressurgem da dor.
E sei
após tudo
que por isso é
tão forte
o símbolo da via evangélica.
Só não sei por que
algumas vezes
é tão feroz este meu coração
e tão angustiante a necessidade
de estar só.
E só,
como eu queria,
enrolo-me nu
em meus braços nus
e espero.
Pretendo estar tranquilo.
Pacifique-se, coração!
Tenho um pouco de medo,
não sinto mais frio algum;
e não tenho tanta certeza
de que precise chorar.
(…)
Trecho da Trilogia Cética 03. – Réquiem
(…)
O último homem está caído ao chão. É sua última queda. A custo encostou-se a uma pedra. Seu corpo dói. O respirar é aflito. Olha as pernas e os pés mas vê apenas ossos e uma pele suja. Há hematomas, arranhões, unhas partidas, sangue preto colado ao seu corpo. Suas mãos são mãos de um esqueleto. As pontas dos dedos feridas e sanguinolentas.
O último homem caiu. Não se lembra do que aconteceu. Guerra? Cataclismo? Doença? Não sabe nada. Por dentro da sua cabeça há apenas um ruído assustador, contínuo e surdo. Olha e não compreende. Perambulou errante, aos tropeções, mas a cada momento o tempo se dilatava mais. Perdeu o rumo, perdeu o norte, perdeu o sentido de existir.
Sente fome mas só tem os dedos para comer. O sangue sabe bem mas há dor.
(…)
Jorge Teles
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